A discriminação e o racismo tornaram-se a vontade do Estado | Opinião
Em 10 de novembro de 2019, Evo Morales, o primeiro presidente indígena democraticamente eleito da Bolívia, fez um discurso público no qual anunciou sua renúncia ao cargo por pressão de um setor do exército e uma onda violenta de protestos orquestrados por setores da oligarquia nacional em conluio com empresários ligados a grupos religiosos e transnacionais financeiras. Assim terminou um período de profundas transformações na sociedade boliviana. Nesse mesmo dia, Adriana Salvatierra, a mais jovem presidente do Senado boliviano da história e militante do MAS (Movimento ao Socialismo), também apresentou sua renúncia ao cargo que poderia catapultá-la à presidência, por falta de segurança jurídica e toda capacidade para assumir tal responsabilidade. Em entrevista, Adriana responde sobre o processo que culminou no golpe de 10 de novembro de 2019 e os retrocessos sociais e de direitos vivenciados pelo povo boliviano.
Adriana Salvatierra é uma cientista política e política boliviana-chilena. Em 2015, aceitou o cargo de senadora pelo Movimento pelo Socialismo, representando o Departamento de Santa Cruz. A juventude de seu partido a escolheu como candidata a senadora em 2014 por seu profissionalismo e seu trabalho de base com organizações sociais, civis e camponesas. Salvatierra foi a presidente do Senado mais jovem da história da Bolívia, desde que assumiu o cargo aos 29 anos. Vale ressaltar que, com apenas 29 anos, Adriana Salvatierra se torna a quarta mulher na história a se tornar presidente do Senado. Hoje atua como parlamentar e partidária, acompanhando, junto com Evo Morales, a campanha de Luis Arce e David Choquehuanca.
1- Qual é o seu papel e militância atual após renunciar ao cargo de presidente do Senado e após sofrer assédio da centro-direita?
Eu fui um dos que ficaram no país, não que eu tenha transformado isso em uma demonstração de coragem, porque todos nós, camaradas, passamos por situações absolutamente diferentes. Continuo como legislador, neste momento do Movimento para o Socialismo, como militante do nosso partido, da nossa estrutura, e da Bolívia, acompanhando a campanha em condições muito adversas. Condiciones en las cuáles el Estado de excepción no ha iniciado acciones sobre la crisis sanitaria, sino al contrario, se vive a partir de la impunidad del ejercicio de la violencia de las fuerzas armadas desde noviembre, y hasta ahora no ha existido una investigación respecto a acontecimentos. A impunidade em relação aos eventos ocorridos na Bolívia em 2019 e que levaram ao golpe de estado que todos conhecemos. Mas aqui como militante, até como funcionário público, claro na Assembleia Legislativa, mas fundamentalmente continuo acompanhando a campanha do nosso candidato Luis Arce e David Choquehuanca. Mas é verdade que havia um quadro estrutural de violência, em múltiplas facetas, a primeira coisa que todos temos que entender é que há muitas pessoas que dizem que não foi um golpe, porque participaram dele, desde o bloqueio em seu quarteirão, na casa dele, etc. e isso parece tentar encobrir algo que realmente aconteceu, que é que as Forças Armadas pediram a renúncia de Evo Morales. O mesmo comandante das forças armadas. A polícia se rebelou nos nove departamentos e absolutamente nada foi feito quando a casa da irmã de Evo Morales foi incendiada, quando a casa do presidente Evo Morales foi destruída, ou quando o prefeito de Vinto foi sequestrado e estuprado, a companheira Patricia Arce, que também é uma mulher de enorme dignidade, que depois de torturada afirma sentir orgulho de sua militância no movimento socialista. Pois bem, queimaram a casa do presidente da câmara dos deputados, sequestraram e torturaram seu irmão por mais de 3 horas, na cidade de Potosí, e o mesmo aconteceu com outros dirigentes, houve sequestro de parentes e eles forçaram que ele se demitisse das lideranças. Todo esse contexto de violência ocorreu em nosso país e é um fato inegável que até agora ficou impune porque não foi investigado. As perseguições e violências continuaram mesmo após o golpe de Estado, não só pelo fato da margem de impunidade que foi aberta às Forças Armadas com a autorização de um decreto que as isentava de responsabilidade criminal pelas ações conjuntas, que desenvolvia a polícia com as forças armadas na rua, contendo os protestos dos cidadãos. “Discriminação e racismo viraram vontade do Estado” Nossos camaradas, para restabelecer as sessões da Assembleia Legislativa, tiveram que enfrentar a violência policial da polícia, que impedia o acesso dos parlamentares ao Congresso. Claro que também o assédio político, a perseguição policial e a morte de muitos e muitos companheiros. A discriminação e o racismo tornaram-se a vontade do Estado. E o Estado, baseado nessa discriminação e nesse racismo, operou com as forças repressivas que perseguiam os companheiros. Dois dias depois do golpe, tinha um policial do lado de fora do apartamento onde morava. Eles não precisam colocar um policial do lado de fora do apartamento onde ele morava, porque você sabe que eles estão seguindo você, é claro. Mas foi a vontade de fazer saber que essa perseguição existia. Foi um cenário complexo, mas devemos sempre continuar lutando a partir da democracia.
2- O golpe ressuscitou as tensões raciais e étnicas que a figura de Evo Morales havia aplacado, em que medida a direita é responsável pelo ressurgimento das tensões raciais e do endosso no país?
O quadro a partir do qual a oposição se moveu, ou seja, seu quadro ideológico, foi justamente o uso de instrumentos conflitantes de fé, de religião, com a Bíblia em primeiro lugar, para orientar as ações de Luis Fernando Camacho, como ajoelhar-se aos pés de Cristo o Redentor, monumento simbólico em Santa Cruz. Ou a figura de Jeanine Áñez, dizendo que a Bíblia está voltando ao Palácio. Mas o retorno da Bíblia, não com um olhar romântico, ou a mensagem de “retorno do catolicismo”, “retorno da fé”. Mas sim, como cortina de fumaça, e também como elemento civil, que buscava civilizar os selvagens contra os quais lutava. A Bíblia se opõe à Whipala, por exemplo, várias organizações foram em defesa da Wiphala, como símbolo de integração dos povos e resgate da memória. E a resposta foi impor a violência civilizadora, contra o que Jeanine Añez apontou como “os selvagens do altiplano”, “os selvagens dos trópicos”, e sempre houve uma estigmatização e uma criminalização dos movimentos sociais, que resistiram à golpe de Estado com um heroísmo impressionante, e fundamentalmente motivado, porque o motor do golpe foi a normalização da violência e a vontade do governo de exercer violência sobre os mais humildes.
3- Qual foi o papel das organizações indígenas durante o governo do MAS e qual o seu papel neste momento de crise democrática?
Acredito que o papel dos povos indígenas e do movimento camponês obviamente não começa no processo, eles são construtores do processo de mudança, construtores e construtores dessa revolução democrática e cultural, a partir de um fato que, como diz o leninismo é , classe em si, e classe para si, mas trata-se também de ter compreendido plenamente a sua situação durante a República e de ter convertido a compreensão da sua situação, e da sua condição de classe, não só em vontade e vocação de transformação, mas também numa transformação de slogans universais, como a nacionalização dos hidrocarbonetos, a convocação da Assembleia Constituinte, a recuperação dos recursos naturais de empresas estratégicas, o reconhecimento do Estado, da diversidade cultural, que deu origem ao Estado plurinacional, e o reconhecimento da terra e do território. A necessidade de mudar a estrutura da posse da terra. Tudo isso foi a pauta de outubro, com a qual entra o governo do nosso sócio Evo Morales, nosso governo. A partir daí, desdobra-se também a atenção mais importante em termos de transformação profunda, ou seja, a Assembleia Constituinte, e aí o movimento indígena e camponês teve papel fundamental, base do Estado plurinacional e reconhecimento da pluralidade, da identidade diversa , mas também a base da soberania do Estado, da necessidade de se criar um modelo econômico que não se preocupe apenas com os indicadores macroeconômicos, mas que democratize efetivamente a riqueza. A necessidade de compreender a autonomia dos territórios indígenas. A necessidade de construir a paridade de gênero, todas essas construções que se tornaram o horizonte da época e ideias universais para o povo boliviano e que são princípios que acredito que permanecem válidos até agora. E depois obviamente toda a implantação da defesa ativa, mobilizada a partir das conquistas alcançadas ao longo desses 14 anos. E claro está claro que afetamos interesses, e quando os interesses são afetados, as forças dominantes nunca renunciam pacificamente aos seus privilégios, e tiveram privilégios construídos durante a República, construídos por mais de 180 anos. Classe, identidade, etc. Era a reprodução de um poder, e nacionalizamos os recursos naturais e recuperamos as ações das empresas estatais e afetamos os interesses e bolsos das transnacionais. As burguesias transnacionais naturalmente tinham correias de transmissão e burguesias locais que obedeciam a seus interesses. Como foi o fato de convocar uma assembleia constituinte e discutir as bases do Estado, e entender que os indígenas e camponeses estiveram ausentes na construção da República, não por vontade política, mas porque a vontade a partir da qual foi construída a república era exclusivo. A força do processo boliviano e do reconhecimento internacional está no fato de que um país pequeno, comparado antes nos limites do desenvolvimento humano com o Haiti, pobre, com 10% da população descalço, analfabeto etc. Mostrou que os indígenas podem governar e governar para o povo, e fazer bem as coisas. Com…
Disclaimer: Via Telesur – Tradução de RJ983
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