A hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, localizada a apenas 10 quilômetros de Porto Velho, a capital de Rondônia, é a quarta maior do Brasil. Na sua capacidade máxima de geração, tem energia para atender 45 milhões de pessoas, ou a população total do país por 10 dias e a de Rondônia por quatro anos.
A empresa que a opera, a Santo Antônio Energia, precisava pagar 1,58 bilhão de reais ao consórcio construtor, de conta que ainda estava pendente, vencidos os R$ 20 bilhões do orçamento original da obra. Se a Sesa não quitasse a dívida até a última segunda-feira, a conta seria lançada nos costados da controladora, a estatal Furnas, que, por sua vez, teria que a transferir para a sua própria controladora, a Eletrobrás, cuja privatização, nesse caso, iria água abaixo.
Depois que uma liminar suspendendo o processo foi derrubada na justiça, na manhã do mesmo dia, a assembleia de Furnas conseguiu alcançar o quórum que lhe faltou na reunião anterior. Assim, pôde capitalizar sua subsidiária no valor suficiente para que ela fizesse o pagamento. Como todos os envolvidos na história sabiam que a Eletrobrás acabaria assumindo integralmente o pesado ônus (os sócios privados nem queriam saber de colocar seu precioso capital no fogo), esperou-se pelo desfecho previsto. E quem o deu foram os detentores de debêntures de Furnas. Ou seja, os investidores que compram esse papel para terem preferência na distribuição dos dividendos, acabando por i nfluir nas decisões como se possuíssem ações ordinárias.
Mas como, se a Santo Antônio é uma empresa privada com déficit de caixa? Simples: agora, ela se tornou estatal, com a ampliação da participação acionária de Furnas, sem a adesão dos sócios privados. Com o aporte, a Eletrobrás, que detinha 49,98% do capital, passou a ter mais de 50% de participação na usina. Os fundos estatais de previdência complementar, controlados pelo governo federal, têm mais 20%. O restante é dividido pelos sócios privados: Odebrecht, SAAG (Andrade Gutierrez), Caixa Amazônia e Cemig. Quando a Eletrobrás for vendida, a privatização da Sesa virá rolando cascata abaixo. O dinheiro público rolando entre as pedras, em grande dissipação. E se sobrarem ações após o aumento de capital, na semana passada, a Eletrobrás aprovou a integralização, por Furnas, da totalidade das ações que eventualmente sobrarem. A privatização sairá, qualquer que for o preço a pagar (pelo contribuinte, é claro), qualquer que seja o governo que a concluir.
E foi um preço alto, com o qual se comprometeram os governos do PT, já que tanto Santo Antônio quanto a hidrelétrica de Juruá, de porte equivalente, também no rio Madeira, e a de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, foram licitadas, construídas e inauguradas nas administrações de Lula e de Dilma Rousseff, entre 2010 e 2016, como obras estruturantes do desenvolvimento do país. Por isso, receberam R$ 43 bilhões em recursos do BNDES entre 2004 e 2018.
Para Belo Monte foram R$ 25,4 bilhões. Para Santo Antônio foram R$ 8 bilhões (já que a participação da Eletrobrás seria maior) e R$ 9,4 bilhões para Jirau (a Eletrobrás, com 40% do capital, a francesa Engie, também com 40% e a japonesa Mitsui, com 20%). E ainda sobraram R$ 5,214 bilhões para a Rio Xingu Transmissora de Energia, controlada pela chinesa State Grid (hoje, uma das maiores empresas do setor elétrico brasileiro), investir no segundo linhão de Belo Monte, do qual é concessionária. Em agosto de 1954, antes de se suicidar, O presidente Getúlio Vargas inscreveu na sua carta-testamento que a Eletrobrás, por ele criada, “foi obstaculizada até o desespero”. E é levada ao desespero que está sendo privatizada.
A imagem que abre este artigo mostra a abertura das comportas da UHE Santo Antônio, no rio Madeira (Foto PAC/2016)
Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:
* lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.
* valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.
* amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.
* cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.
As informações publicadas por “R.J.” (Registro de Jornalista significa a proteção de fonte e autoria da comunidade), os textos de colunistas e textos opinativos são de responsabilidade do autor. Fale com um conselheiro do CMIO para mais informações.