Uma grande comoção tomou conta de Manaus, inclusive nas redes sociais, desde quinta-feira (27) quando foram encontrados 200 periquitos-de-asa-branca mortos no entorno do condomínio de luxo Ephigênio Salles, onde residem magistrados, políticos e empresários, localizado em área nobre da zona centro-sul da cidade. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) investiga as suspeitas de envenenamento, intoxicação e ingestão de substância química como causas da mortandade das aves. Uma investigação policial vai apurar o responsável pelo crime ambiental.
Mas antes mesmo de sair o resultado do laudo de necropsia e do exame toxicológico sobre as mortes dos pássaros, o Ipaam notificou nesta segunda-feira (1º) o síndico do condomínio e coletou amostras das telas das palmeiras imperais, que ficam no entorno do condomínio. O nome do síndico não foi divulgado à imprensa.
Desde o final de 2011, os moradores do Ephigênio Salles combatem a presença de milhares de periquitos-de-asa-branca nas copas das palmeiras imperiais plantadas do condomínio. Com apoio das autoridades ambientais locais, o condomínio colocou telas de proteção nas copas das árvores para afugentar os pássaros.
Em entrevista à agência Amazônia Real , o presidente do Ipaam, Ademir Stroski, disse que decidiu não aguardar o resultado do laudo sobre as mortes das aves para discutir com os moradores do condomínio Ephigênio Salles. Segundo ele, é preciso encontrar “formas de convivência entre os moradores do condomínio e os periquitos”.
“Estou recebendo avaliações já feitas pela Semmas (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade) e pelo Ibama sobre o assunto e vamos decidir quais os procedimentos. Vamos tomar uma decisão e dizer para o condomínio o que tem que ser feito. Não podemos esperar o resultado do laudo. Temos que tomar uma posição sobre isso e dar uma recomendação preliminar”, disse Stroski, que não quis adiantar para a reportagem os procedimentos que serão adotados após a notificação do sindico.
A comoção sobre as mortes dos periquitos em Manaus teve seu ápice no sábado (29), quando ativistas das questões animal e ambiental, professores, servidores públicos e famílias que moram em casas e nos edifícios do entorno do condomínio Ephigênio Salles, fizeram um protesto no local.
Na ocasião, os manifestantes encontraram ao menos dez periquitos mortos na rua, sem marcas de atropelamento, e outros esmagados por veículos. Também avistaram aves presas nas telas que cobrem as palmeiras imperiais. Os ativistas chamaram o Corpo de Bombeiros, que retirou pássaros vivos das telas e os encaminhou ao Refúgio Sauim Castanheira, da Prefeitura de Manaus.
Segundo o Ipaam, dos 200 periquitos encontrados mortos no entorno do condomínio na quinta-feira (27), 40 estão passando por exame para identificação da causa das mortes. Uma parte dos cadáveres dos animais está sendo submetida a necropsia na sede da Faculdade Esbam (Escola Superior Batista do Amazonas), na zona centro-sul de Manaus. A outra, no Ibama. Os exames toxicológicos serão feitos no Laboratório da Universidade Federal de Minas Gerais, segundo informou o Ipaam.
Ademir Stroski disse à reportagem que predomina a suspeita de envenenamento para as mortes, mas que somente o exame toxicológico vai confirmar ou descartar.
“O caminho do envenenamento existe por causa da forma como as aves foram encontradas. Por isso temos duas linhas de investigação. A criminal, que está com a polícia, e a administrativa, com o Ipaam. Mas também vamos considerar outros elementos que serão incorporados. Temos equipes que continuam monitorando a área”, disse Stroski.
Localizado na avenida que também se chama Ephigênio Salles, na zona Centro-Sul de Manaus, o condomínio tem sido alvo de críticas de ativistas da causa animal há quase três anos, quando decidiu instalar telas de proteção nas palmeiras imperiais em frente ao local. A visão das telas em cima das árvores chamou atenção da população. Descobriu-se que elas foram colocadas para evitar que os periquitos pousassem nas palmeiras imperais, espécie que não é nativa da Amazônia.
A reportagem da agência Amazônia Real procurou várias vezes por ligações telefônicas a administração do condomínio para que o síndico comente o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Exames independentes
Periquito caiu da árvore morto e foi atropelado por veículo (Foto: Raphael Alves)
Ativistas da causa animal de Manaus decidiram fazer sua própria investigação sobre as causas das mortes dos periquitos em frente ao condomínio Ephigênio Salles. Eles dizem que querem realizar exames de forma independente. Os ativistas também cobram que os exames não se limitem aos cadáveres dos periquitos, mas também nas palmeiras imperiais em frente ao condomínio e nas telas que cobrem estas árvores.
Durante a manifestação de sábado, os ativistas encontraram ao menos dez periquitos mortos no entorno do condomínio Ephigênio Salles, disse à reportagem Elizandra Alves, membro da ong União de Política Animal (UPA).
“Vi quando um deles sobrevoou nossas cabeças, pousou na palmeira imperial e caiu agonizando minutos depois. Uma moça pegou e o trouxe até mim e ele morreu nas minhas mãos. Nunca passei por isso e antes mesmo de me formar em veterinária já senti o peso que é não poder salvar um animal que agoniza os últimos segundos de fôlego”, afirmou Elizandra Alves.
A moça a que Elizandra Alves se refere é Talita Carvalho, uma das organizadoras do protesto. Talita disse que viu “várias aves caindo” das palmeiras e algumas foram recolhidas por ela. “Vamos encaminhar para exame por nossa conta”, disse Talita.
A protetora de animais Autamine Salum, que também estava no protesto, contou que um amigo pegou alguns bichos mortos no último sábado para mandar fazer exame fora de Manaus. “Alguns caiam das redes mortos e com uma secreção fétida com cheiro de veneno”, disse Autamine. Ela defende também que as palmeiras imperiais sejam periciadas.
“Algumas árvores devem ser periciadas pois todas têm furo, que chamamos de broca. Essas brocas são usadas para matar as pragas”,disse.
Para Autamine, assim como todas as pessoas ouvidas pela reportagem, a solução mais imediata para evitar que mais mortes de aves ocorram seja a retirada das telas das palmeiras.
Ibama acredita em atropelamento
O chefe do núcleo de Fauna do Ibama, Robson Czaban, disse que é preciso primeiro confirmar ou não a hipótese de envenenamento. Mas, na sua avaliação, a causa pode ter sido atropelamento provocado por um grande veículo. Ele contou que o veículo pode ter feito uma série de colisões com as árvores mais baixas da avenida enquanto passava por baixo delas, matando dezenas de periquitos em cada colisão.
Outra possibilidade que causaria um grande número de mortes é o uso de rojões diretamente nas aves, segundo ele. “Mas em conversa com moradores, seguranças e trabalhadores que ficam lá de madrugada, nenhum confirmou ter ouvido qualquer estouro no dia. Seja qual for a causa das mortes, o fato é que o que mais causa mortes de periquitos são os atropelamentos diários que ocorrem na avenida. São entre 5 e 10 animais mortos todos os dias”, disse ele.
Segundo Robson Czaban, a possibilidade de se colocar o veneno no alimento é maior, mas ele lembra que os periquitos não comem no local. Eles se dirigem à área apenas para dormir e se proteger de predadores, como cobras, mucuras e corujas.
“Fica difícil descobrir em que lugar da cidade elas comeram alimento contaminado. Sem um laudo do laboratório dizendo se houve ou não contaminação, é difícil determinar que ação tomar, visto que uma coisa é acidente outra coisa é crime. Se for envenenamento, é crime. Mesmo que seja, em conversa com veterinários sobre um possível produto que causasse isso, eles acham pouco provável que isso tenha ocorrido, dada as dificuldades de se colocar qualquer produto no local, sem ser visto”, disse Czaban.
O chefe do Núcleo da Fauna disse que não concorda com as manifestações promovidas em frente do condomínio. “Fizeram como se o condomínio fosse o culpado ou que as telas das palmeiras fossem as causadoras das mortes. Quem mais mata são os carros que passam pelo V-8 (antigo nome da avenida Ephigênio Salles). Se quiserem diminuir drasticamente a quantidade de periquitos mortos, têm que diminuir a velocidade dos carros que passam em frente aquele ponto, entre as 17 horas e as 6 horas, que é o horário em que eles ficam lá”, disse.
Para Czaban, o ideal é que se cortem as árvores baixas que ficam no canteiro central. Segundo ele, as árvores são muito baixas e deixam vários galhos a pouca altura do chão, permitindo que veículos mais altos se choquem com as mesmas, causando as mortes.
Czaban foi o representante do Ibama no grupo de órgãos ambientais que, na época da instalação das telas, conversou com os moradores do condomínio Ephigênio Salles após repercussão na cidade quando elas foram colocadas para cobrir as palmeiras imperiais.
“Houve foi um longo processo de diálogo entre o condomínio e os órgãos ambientais, Ibama inclusive, onde estava se estudando uma forma de proteger as palmeiras dos periquitos (que, realmente, detonam as palmeiras), sem com isso prejudicar as aves ou infringir a lei de fauna”, disse.
Segundo o analista do Ibama, a solução encontrada foi a colocação das telas que, até 2013 impediam que as aves de pousarem nas palmeiras. Ele conta que as aves pousavam e, imediatamente, saíam do local. A hipótese era de que o contato estranho com o tecido da tela causava o afastamento das aves.
“Este ano, ao contrário, parece que as aves se acostumaram com as telas e estão pousando normalmente em cima delas. Ainda assim, as telas protegem as folhas das bicadas dos periquitos e evita o contato direto das fezes com as folhas. Esteticamente fica muito feio, mas até agora não apareceu nenhuma solução melhor. Algumas aves entram por baixo das telas e ficam temporariamente presas, mas eles conseguem sair depois de algum tempo. Por conta disso, o condomínio fechou as telas nos troncos das palmeiras para evitar que isso volte a acontecer”, disse.
Desmatamento reduz abrigo
Revoada dos periquitos de asa branca nas palmeiras imperiais (Foto: Raphael Alves)
O periquito-de-asa-branca é uma espécie migratória que vive em quase toda a região da Amazônia, da Venezuela a Belém, capital paraense. Na zona urbana de Manaus, se alimenta por toda a cidade, nos quintais das casas, comendo manga, goiaba, banana e frutas em geral.
Segundo Robson Czaban, o período de maior concentração dessas aves em Manaus ocorre em outubro e novembro, quando estão com filhotes. Entre março e abril elas entram em período reprodutivo e migram para outras cidades próximas da capital amazonense, como Careiro, Iranduba e Manacapuru.
Ao final do dia, os bandos se reúnem em local que consideram seguro para dormir. Não se sabe ao certo o motivo que um grande bando, em torno de 1.500 e 2 mil, escolheu a área da avenida Ephigênio Salles para dormir. Mas Robson Czaban acredita que é porque na área não existem predadores dos periquitos.
Outro local de dormida de um grupo grande, embora em menor número, fica no bairro Dom Pedro, nas proximidades da sede da Polícia Federal. Ali, são cerca de 700 periquitos que escolhem o local para dormir, segundo Czaban.
Indagado sobre os motivos que levaram ao aumento de um grande bando ter se concentrado em tão poucas áreas para dormir, ele aponta o avanço no desmatamento da cidade. “Você tinha bandos na cidade cujos locais de dormida foram sendo derrubados para criar uma área residencial, por exemplo. Então, eles tiveram que escolher outro local. Se juntam em outro bando e vão para a área dormir. Enquanto tiver menos locais para abrigar esses animais, maior será a concentração dos bichos em um só lugar”, disse.
A bióloga e ativista da causa animal Erika Schloemp também indica o desmatamento como uma das causas das alterações no ecossistema da capital amazonense. “Manaus está desmatando e muito. Fragmentos de mata estão sendo cortados por avenidas e invadidos. Os fragmentos de mata estão cada vez mais isolados o que prejudica qualquer ação de conservação da fauna urbana ameaçada. Ilhas de calor se multiplicam por toda parte. Por tudo isso, os periquitos não são um caso isolado. Eles estão aí para nos fazer refletir muito mais ”, disse.
Erika levou vários questionamentos para reflexão. Entre eles: “o que será do meio ambiente da nossa cidade? O queremos afinal? Viver em conjuntos, condomínios e bairros rodeados de palmeiras exóticas? Ver nossos últimos fragmentos urbanos serem ainda mais isolados e devastados? Dizer adeus aos bandos de Sauim-de-Coleira nas ultimas florestas da cidade? Escutar apenas o enaltecimento de nossa biodiversidade em discursos vazios das autoridades? Ver multiplicados por mil os focos de calor da cidade por conta do concreto e da impermeabilização do solo? Igarapés sujos e fétidos serão uma paisagem comum? Para onde está indo a nossa qualidade de vida da forma que estamos vendo os gestores públicos lidarem com a causa ambiental de nossa cidade e Estado?”.
Semmas diz que moradores apresentaram parecer do Ibama
Procurada, a Semmas disse que, por meio de nota, que a gestão da de fauna não pertence ao município, mas ao órgão estadual de meio ambiente.
Ainda assim, segundo a nota, a Semmas atua quando é demandada e que não há registro de denúncias relativas à mortandade diárias de pássaros naquele local.
O órgão afirma que, na época da instalação das primeiras telas, foi até o local motivado por denúncia sobre esta medida. “Lá chegando, o condomínio apresentou parecer do Ibama, órgão gestor de fauna, sobre a situação, tendo em vista que as palmeiras estavam morrendo em função das aves que estavam bicando os brotos e levando-as à morte. Na oportunidade, foi informado que as telas apenas impediriam o pouso das aves sobre as árvores e as levariam a procurar nova rota migratória, o que acabou não ocorrendo, pois todas as vezes que as telas são retiradas, as aves tornam a pousar nas árvores, fazendo-as definhar rapidamente”, diz a nota.
A Semmas disse que “é solidária” à situação e que está disposição do Ipaam para ajudar nos trabalhos de investigação.
Manifestantes criaram campanha na internet (Foto UPA)
Ativistas fizeram protesto no entorno das palmeiras imperais teladas (Foto: Erika Schloemp/AR)
Manifestação contra matança dos periquitos no entorno do Ephigênio Salles (Foto UPA)
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