SANDOVAL AMPARO “Os que deixam a lei louvam o ímpio; porém os que guardam a lei contendem com eles.” Provérbios 28:4
Há um ano um acidente de motocicleta provocou a morte do Cacique Ivan Tenharim, da aldeia Kampinhu-ú, na Terra Indígena Tenharim Marmelos, no sul do Amazonas.
Já não fosse trágico este triste fim de um guerreiro no dia 03 de dezembro de 2013, a sucessão de fatos que se seguiram à sua morte provocou uma sequência de fatos que nos fez ter uma ligeira ideia do que talvez tenha sido a chegada do colonizador na América, mais de quinhentos anos atrás; ou, segundo a realidade de cá, onde a história oficial alega ter havido contato “pacífico” com os originais, deslocando sutilmente a violência do Estado e atribuindo-lhe a terceiros.
Os episódios de Humaitá, no Amazonas, em dezembro do ano passado, nos fez lembrar o que pode ter sido as bandeiras ou expedições punitivas, realizadas até o início do século 20.
A “Batalha de Humaitá” indicou que apesar da proximidade, não há de um diálogo de fato entre as aldeias e as cidades regionais não somente em Humaitá, mas no país afora. Como que num passe de mágica, as relações políticas dos indígenas ignoram a escala regional e se estabelecem com as escalas maiores, nacional e global.
O resultado desta ruptura é trágico e leva a eventos como os que nos lembramos. A carência de diálogo vira campo fértil para a desinformação e a adesão a estereótipos de ambos os lados. Muita gente fala do índio sem conhecer e muito índio fala do branco, vice-versa.
Esta desinformação leva a preconceitos que dificultam as possibilidades de interação para além daquelas meramente formais, no caso da relação entre os Tenharim e a cidade de Humaitá, como por exemplo aquelas que se estabeleciam com o pedágio.
Conforme denúncia apresentada por uma comissão de lideranças indígenas de Rondônia que viajou à região em outubro, os índios encontram-se “acuados” e poucos não-índios interagem com os indígenas, “temendo represálias”.
É preciso urgentemente construir uma política de diálogo interétnico nestas regiões de conflitos. É preciso utilizar os fóruns específicos – e existem muitos, comitês, conselhos, etc. – para promover este diálogo. O direito à Terra Indígena, constitucionalmente reconhecido, não pode ser furtado. Mas é preciso que a gestão territorial das TIs não se exima de sua responsabilidade em promover este diálogo.
O que ocorre fora dos limites e suas terras interessa muito aos indígenas. E em muitos projetos, eles e seus vizinhos são igualmente vítimas de um rolo compressor chamado progresso, que os alija aos dois de igual maneira, vide as recentes enchentes do rio Madeira, apontadas como impactos ambientais das hidrelétricas de Santo Antônio e do Jirau por ambientalistas.
Trata-se de uma guerra inútil entre comunidades que deviam se abraçar e se proteger, motivada geralmente por interesses escusos de ambos os lados. Ao que parece, há vencedores nesta guerra. Eles não são indígenas nem vivem em Humaitá e região.
Por fim, a questão da madeira ilegal na região é dramática. Ela está ligada, sobretudo, à precariedade das titulações de terra na região, que por sua vez, dificulta a concessão dos tais Planos de Manejo Florestal. Como sabemos, a demanda crescente do mercado não pode esperar o trâmite burocrático e há sempre quem dê um jeito de tornar algo lícito no Brasil . Deste modo, a madeira além de ilegal, sai um pouco mais cara. Vivemos um grande paradoxo: no país com maior extensão de florestas do planeta, a madeira tem um alto custo no mercado.
Afora as mágoas específicas, que fogem ao conflito socioambiental (as pessoas possuem nomes e famílias), a paz em regiões como a Humaitá e os índios Tenharim no sul do Amazonas demanda que estas questões sejam solucionadas de modo a que todos os sujeitos sociais envolvidos estejam conscientes de que sempre haveremos de fazer concessões.
Um outro ponto interessante seria a criação em Apuí e Santo Antônio do Matupi (em Manicoré), no Amazonas, de um polo de design mineral e de madeira. Assim, tanto a madeira quanto o produto dos inúmeros garimpos regionais seriam escoados com um alto valor agregado. Esta solução constituiria ainda uma interessante alternativa para milhares de jovens regionais que se lançam a estas e outras práticas ilícitas. Aqui destaco o forte aumento dos índices de criminalidade na região, que incide também sobre os indígenas.
Caso as forças mobilizadas à época do conflito estejam ainda interessadas em saber o que restou dele, estes são alguns dos desafios que se lhes apresentam. A população regional, inclusive os índios, já não demanda respostas. Ela demanda alternativas
Sandoval Amparo é bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (RJ), mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UnB. Geógrafo da FUNAI há 10 anos. Foi colaborador Artístico do CD Morongitá: Cantos e Estórias do Povo Tenharim (tiragem limitada). Atualmente encontra-se afastado da região de Humaitá desde os conflitos em pauta, em função dos danos psicológicos ocasionados pelo clima de tensão e desespero que se instalou na região.
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